Títulos Verdes e o Desafio Ambiental
O segundo semestre de 2020 está servindo para confirmarmos a máxima de que no Brasil não se morre de tédio. Dentre os diversos assuntos que dominam as preocupações nacionais (entre os quais: pandemia e disputa política), o fogo nas florestas brasileiras foi o mote para que as legítimas preocupações ambientais ocupassem intensamente o noticiário.
O tema “Meio Ambiente” é complexo e possui diversas dimensões (disputas econômicas internacionais, políticas públicas, atuação governamental, etc), mas é para a produção agropecuária brasileira que o tópico da sustentabilidade traz seus maiores impactos. Além disso, é uma oportunidade para tratarmos dos “Títulos Verdes”, dado que envolvem a questão do financiamento para a preservação ambiental e combate às mudanças climáticas.
Sem a pretensão de trazer qualquer conceito em caráter definitivo, podemos afirmar que Títulos Verdes são títulos de dívida nos quais existe a obrigação do emissor de aplicar os recursos, recebidos dos investidores, em projetos sustentáveis e positivos do ponto de vista ambiental e social.
Qualquer tipo de contrato ou título pode ser enquadrado como um Título Verde: contratos de mútuo, cédulas, títulos de crédito, CRA e etc, desde que possa ser rotulado como tal. Ou seja, exige-se uma certificação conferida por uma entidade independente que atesta que os critérios de destinação e gestão dos recursos para projetos ambientais e sociais estão sendo observados (o chamado rótulo verde).
No intuito de favorecer a emissão de Títulos Verdes no Brasil, o Decreto 10.387/2020 deu um importante passo ao inserir projetos de infraestrutura com “benefícios ambientais ou sociais relevantes” entre aqueles que podem ser considerados prioritários para fins de emissão de debêntures incentivadas, nos termos da Lei 12.431/2011. De forma que os rendimentos serão favorecidos a com redução do imposto de renda (IR).
Mas, ainda que tenha abarcado diversos segmentos como mobilidade urbana, energia e saneamento básico, dentre outros, o Decreto trata tão somente da categoria de “debêntures incentivadas” dentro de projetos no âmbito do Poder Executivo Federal.
Para os players do agronegócio interessados em planos fora do domínio do governo federal ainda não existem incentivos tributários federais específicos para a emissão de títulos com rótulo verde. Por outro lado, os emissores terão a possibilidade de acesso a um pool de investidores diferenciados, que tendem a entender melhor o negócio e os desafios dos emissores, sem contar os ganhos reputacionais atrelados a tais operações, sendo este, talvez, o maior atrativo dos Títulos Verdes.
Na lista de oportunidades de projetos verdes suscetíveis de financiamento podemos listar o cumprimento da legislação ambiental, o manejo do solo e uso racional da terra, a implantação de boas práticas para aumentar a eficiência e produtividade com biofertilizantes e biodefensivos, os projetos de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), a restauração de florestas, os sistemas de monitoramento, a agricultura de precisão, a recuperação de pastagens e diversos outros conforme descrito no documento “Destravando o Potencial de Investimentos Verdes para Agricultura no Brasil”, elaborado pela Climate Bonds Iniciative em parceria com o Subcomitê de Agricultura do Brasil (o material pode ser encontrado em www.climatesbonds.net).
A obtenção de recursos com Títulos Verdes envolve diversas etapas, desde a definição de critérios e do processo de seleção para elegibilidade de projetos passíveis de financiamento, passando pela definição das fontes de financiamento; a etapa de “originação e emissão” – referente ao momento de venda ou colocação do título no mercado (etapa esta que envolve diversos atores, incluindo auditores e assessores legais), e a etapa final, com a comprovação da gestão e destinação dos recursos. Todas estas fases estão muito bem descritas no documento elaborado pela Climate Bonds Iniciative.
É claro que muitos dos detalhes e regras relacionados a emissão, registros, venda e transmissão do Título Verde dependem da natureza jurídica do título, existindo diferenças relevantes entre a emissão de um CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) da emissão de uma CPR (Cédula de Produto Rural) ou de uma Cédula de Crédito à Exportação (CCE), a título de exemplo. A denominação de um título como “verde” não afasta ou modifica as normas legais aplicáveis a ele. Na verdade, são criadas obrigações relacionadas a destinação e gestão dos recursos em paralelo àquelas regras já previstas na legislação ordinária para existência, validade e eficácia dos títulos.
A notícia de que existe uma boa oferta de recursos esperando projetos com rótulo verde para poderem ser alocados aliada à evidente melhora da imagem do emissor fazem dos Títulos Verdes um assunto que não pode ser desconsiderado. De fato, a possibilidade de utilização de tais títulos dentro de uma estratégia de marketing positivo e a boa visibilidade de projetos sustentáveis perante a opinião pública são aspectos que geram grande atratividade para as operações. O agronegócio já começou a perceber tais ganhos reputacionais conforme recentemente temos visto com os primeiros casos de emissão de Títulos Verdes noticiados pela imprensa.
Um ótimo mês a todos.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IPOJUR