A gestante, a pandemia e o INSS

 

Por Fabiano Zavanella e Raphael Miziara*

 

A Lei 14.151, publicada no dia 13 de maio de 2021, indica que a empregada gestante deverá ser afastada de suas atividades regulares, quando presenciais, do trabalho enquanto perdurar o regime de emergência de saúde pública nacional em face da pandemia.

Indica o texto legal que tal afastamento não implicará qualquer prejuízo remuneratório para empregada e, conforme o parágrafo único do artigo 1º, ficará à disposição do empregador para exercício de suas atividades em seu domicílio ou por meio de trabalho remoto.

Logo de início, vale lembrar que a referida lei como norma especial merece atenção, sobretudo, para tratarmos de sua harmonização frente ao disposto nas Medidas Provisórias 1.045 e 1.046, publicadas no dia 27 de abril de 2021, que oferecem técnicas e caminhos para o enfrentamento da pandemia e seus efeitos no emprego e na renda.

É louvável a intenção do legislador no sentido de proteger a gestante e o nascituro, considerando-a integrante do chamado grupo de risco em relação à pandemia, já que registros apontam maior índice de mortalidade de pessoas nessa situação em comparação aos demais grupos.

Da mesma forma também é objetivo das normas voltadas para enfrentamento da crise de saúde pública à proteção do emprego e à renda, tanto que a própria MP 1.045 de 2021 estende o mecanismo da redução proporcional de jornada e salário ou da suspensão do contrato de trabalho da gestante, algo que a Lei 14.020/20 já trazia em seu bojo ano passado.

Assim sendo, sempre que as atividades da empregada afastada puderem ser realizadas em seu domicílio, por intermédio do teletrabalho, trabalho remoto ou à distância, ela ficará à disposição do empregador, que deverá adotar o necessário para preservação da saúde da trabalhadora e, também, manutenção do vínculo de emprego (garantia provisória de emprego é prevista na MP 1.045/21 que no caso da gestante é adicional ao tempo da licença-maternidade, portanto mais benéfica), desde que garanta o recebimento integral da remuneração pela empregada, ainda que tal decorra da somatória do benefício emergencial pago pelo Estado, complementado pela empresa, pagamento esse de natureza indenizatória.

Dessa forma para as empresas que já ajustaram com empregadas gestantes a suspensão do contrato de trabalho ou sua redução proporcional da jornada e do salário, desde que as atividades sejam realizadas remotamente, nessa última hipótese deverão manter os mecanismos que atendem o espírito do legislador: não exposição da mulher a aglomerações, ao ambiente presencial de trabalho, aos deslocamentos em transportes públicos e afins, como forma de preservação da saúde e integridade da gestante e do nascituro ou apenas migrem às atividades do regime presencial para o remoto sem prejuízo da remuneração da trabalhadora.

Agora é importante ressaltar que a lei não faz distinções, ou seja, é aplicável para toda e qualquer empregada celetista (trabalho doméstico, área de saúde, comércio, atividades essenciais, etc) e nas situações onde haja incompatibilidade das tarefas com o trabalho remoto, na medida em que o legislador reconhece que o estado gravídico é uma condição de risco, a lei atrai para o Estado o ônus de proteger referido grupo vulnerável que poderá se dar através do afastamento da gestante a fim de receber o pagamento do auxílio incapacidade temporária (doença), pelo INSS pelo prazo da gestação e, após o parto, então, o salário maternidade.

Pretendemos dessa maneira acomodar, sob a perspectiva da convergência de interesses que deve guiar as interpretações das normas postas ao longo da pandemia, o tripé necessário para uma efetiva solução de enfrentamento da crise que envolva: responsabilidade social da empresa, proteção da empregada gestante e, sobretudo, dever do Estado no resguardo do binômio valor social do trabalho e livre iniciativa sem atribuir ônus exclusivo às empresas frente um tema tão vital e relevante para o qual a proteção previdenciária é o ajustado caminho.

 

Artigo do Fabiano Zavanella, Diretor Executivo do IPOJUR, em parceria com o Raphael Miziara, professor e pesquisador da GETRAB-USP, publicado no Blog do Fausto Macedo – Estadão. Leia o conteúdo diretamente no link, clicando aqui.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IPOJUR

Advogado e Professor. Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Direito pela PUC/SP. MBA em Direito Empresarial com Extensão para Docência ao Ensino Superior pela FGV/SP, Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/SP e em Direito do Trabalho Europeu pela Universitá di Roma Tor Vergata. Consultor Jurídico especialista em Direito do Trabalho e Empresarial. É Professor nos Cursos de Pós-graduação e Extensão em Direito Empresarial do IBMEC, nos Cursos de Pós-graduação lato sensu (especialização) em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na Universidade Metodista de Piracicaba, na Escola Superior de Advocacia (ESA/SP), na Escola Paulista de Direito (EPD/SP), na Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI/SP) e no Complexo Damásio de SP. Pesquisador do GETRAB/USP sob coordenação do Prof. Nelson Mannrich. Membro do Comitê Executivo da Comunidade CIELO LABORAL. Membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB/SP. Diretor Executivo do IPOJUR. Autor do livro “Dos Direitos Fundamentais na Dispensa Coletiva”, Editora LTr, e Organizador do livro ‘’ O primeiro ano de vigência da Lei Nº 13.467 (Reforma Trabalhista) – Reflexões e Aspectos Práticos’’ Editora LTr, além de diversos artigos em revistas e periódicos jurídicos.