Os Aspectos Gerais da Lei Anticorrupção: uma breve análise

Os Aspectos Gerais da Lei Anticorrupção: uma breve análise

A Lei n.˚ 12.846/2013 tem por escopo a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, de forma a dar cumprimento a compromissos internacionais contra a corrupção, assumidos pelo Brasil, em pelo menos três convenções: a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (ONU), a Convenção Interamericana de Combate à Corrupção (OEA) e a Convenção sobre Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A principal novidade apresentada pela Lei 12.846/2013 é a previsão legal de que será objetiva a responsabilidade das pessoas jurídicas pelos atos lesivos praticados em desfavor da Administração Pública. Significa dizer que restando comprovado o fato, o resultado e no nexo causal, a pessoa jurídica será responsabilizada, sem necessidade de individualização da conduta ou comprovação do elemento subjetivo da pessoa natural que realmente tenha praticado referido ato lesivo. Necessário ressaltar, nesse ponto, que a Lei Anticorrupção é enfática ao firmar a responsabilidade – independente e concorrente – dos dirigentes e administradores que tenham concorrido para a prática do ilícito, ressalvando, contudo, que, neste caso, a responsabilização exige a comprovação de que os atos tenham sido praticados com dolo ou culpa.

Os atos lesivos à Administração Pública ensejadores da responsabilização objetiva da pessoa jurídica vem enumerados no artigo 5.˚ do referido diploma legal, apresentando-se na forma de um rol taxativo composto por cinco incisos. Trata-se de definição e especificação de condutas que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

No que se refere às sanções aplicáveis à pessoa jurídica, estas podem ter natureza administrativa ou civil. Na esfera administrativa, a previsão legal é no sentido da aplicação de sanção consistente em multa e publicação extraordinária da decisão condenatória. Quanto à multa, o legislador limitou sua aplicação entre 0,1% (um décimo por cento) e 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, prevendo que nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação, e declarou que a multa será de R$6.000,00 (seis mil) a R$60.000.000,00 (sessenta milhões de reais) quando não for possível utilizar o critério do faturamento bruto da pessoa jurídica. Fica evidente o intuito da Lei de buscar, por meio de sanções elevadas, compelir a empresa a se abster do ato de corrupção.

Já no âmbito civil, admitem-se sanções de perdimento de bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, suspensão ou interdição parcial de suas atividades, dissolução compulsória da pessoa jurídica – também denominada de “pena de morte da pessoa jurídica” – e proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público.

Dentre os fatores que devem ser analisados e sopesados quando da aplicação das sanções administrativas, estabelecidos no artigo 7.˚ da Lei Anticorrupção, encontra-se o programa de compliance. Com efeito, a Lei concede o benefício da atenuação da pena às empresas que inserirem efetivamente mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica. Neste ponto, o Decreto n.˚8.420/2015, que regulamentou no âmbito federal a Lei n.˚12.846/2013, detalhou os mecanismos de integridade que as empresas devem adotar para poderem pleitear o benefício no cálculo da pena. Assim, um programa de integridade será avaliado quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;

II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos;

III – padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

IV – treinamentos periódicos sobre o programa de integridade;

V – análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade;

VI – registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica;

VII – controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica;

VIII – procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;

IX – independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;

X – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé;

XI – medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;

XII – procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;

XIII – diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

XIV – verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;

XV – monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5o da Lei no 12.846, de 2013; e

XVI – transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos.

Ainda com vistas à isenção ou à atenuação das sanções aplicáveis à empresa, a Lei Anticorrupção permite que as pessoas jurídicas responsáveis pela prática de atos lesivos à Administração Pública que tiverem colaborado de modo efetivo com a investigação e com o processo administrativo celebrem acordo de leniência. Aludida colaboração deve resultar na identificação dos demais envolvidos na infração e na obtenção célere das informações e documentos que comprovem a prática ilícita. A pessoa jurídica que o firma deve, concomitantemente, ser a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar com a apuração do ilícito, cessar completamente seu envolvimento com a prática a partir da data do acordo e admitir a participação no ilícito, cooperando plenamente com as investigações e respectivo processo administrativo. Em contrapartida, a pessoa jurídica estará dispensada da publicação da decisão condenatória (artigo 6.˚, inciso II), isenta da sanção que a impede de obter incentivos, empréstimos, doações, subsídios e subvenções do Poder Público (artigo 19, inciso IV) e poderá obter redução de até dois terços da multa aplicável.

Por último, a Lei Anticorrupção determina a implantação do Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP -, no âmbito do Poder Executivo federal, responsável por reunir e dar publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo, os quais deverão informar e manter atualizados no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS -, os dados relativos às sanções por eles aplicadas.  Observa-se que a pretensão do legislador foi agrupar e tornar públicas as sanções aplicadas pelo Poder Público às empresas responsabilizadas pela prática de atos lesivos à Administração Pública, bem como aos acordos de leniência celebrados.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IPOJUR

Advogada. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Especialista em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP. Relatora da XX Turma Disciplinar do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo. É Professora de Direito Penal, Direito Processual Penal e Estágio Supervisionado na Faculdade Integral Cantareira.

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